Culpada por protestar? Moradora do ES é punida pelo STF sem invadir, vandalizar ou agredir no 8/1

Por Alan Fardin - Articulista

Santa Dias Pereira, moradora de Cariacica, não foi flagrada quebrando vidraças, escalando prédios, muito menos agredindo policiais ou incitando o uso da força. Não há vídeo, áudio, tampouco testemunho que aponte qualquer gesto violento. Seu “crime” foi receber uma doação anônima e viajar de ônibus a Brasília para participar de uma manifestação. E por isso, foi condenada pelo Supremo Tribunal Federal a um ano de reclusão, convertido em penas restritivas: proibida de sair de sua cidade, proibida de usar redes sociais e obrigada a entregar seu passaporte.

O que está acontecendo com o Brasil?

Santa não atuou em milícias. Não conspirou em segredo contra ministros. Não possuía planos para tomar o poder. Não havia armas, articulação com forças militares ou qualquer estrutura que lembrasse um golpe real. O que havia, como ela mesma relatou, era um grupo de pessoas, como tantas que já ocuparam a Esplanada, inconformadas com o rumo do país. Pessoas que, sem apoio partidário ou sindical, se organizaram espontaneamente, com recursos próprios ou doados, para dizer o que pensavam. Algo que, até ontem, era protegido pela Constituição.

Não se trata aqui de romantizar vandalismo. Quem quebrou, depredou deve ser responsabilizado, mas de forma proporcional ao seu ato, e não com base em culpas coletivas, respeitando a dosimetria correta. Colocar no mesmo balaio uma mulher de 48 anos, sem antecedentes, que apenas se manifestou e aceitou ajuda financeira para a viagem, é um passo perigoso rumo à criminalização do pensamento dissidente. A punição se torna exemplo: “proteste, e você pode pagar caro”.

E as restrições impostas? Impossibilidade de sair de Cariacica, como se fosse uma fugitiva. Proibição de usar redes sociais, como se suas palavras fossem uma ameaça nacional. Suspensão do passaporte, como se planejasse fugir do país. A quem Santa oferece perigo? De que forma essa mulher representa um risco para a ordem pública, senhores ministros?

As manifestações do 8 de janeiro não foram organizadas por facções com poder financeiro. Eram compostas por cidadãos comuns e Santa é o retrato fiel disso. O financiamento, se existiu, foi amador, informal, disperso. Não houve desvio de verba pública, nem caixa dois de campanha, nem militância bancada por centrais sindicais, ONG ou governo estrangeiro. Foi a mobilização crua de gente sem voz, que foi às ruas, ainda que sob retórica confusa e expectativas equivocadas.

Aliás, se há uma verdade incômoda nessa história, é que nunca houve chance de golpe. Sem apoio das Forças Armadas, sem adesão institucional, sem qualquer força verdadeira além da ocupação física de espaços. O risco nunca foi de ruptura. O risco é outro: o de rotular todo opositor como golpista, o de reescrever o conceito de “financiamento de crime” para criminalizar até doações entre cidadãos, o de usar penas alternativas como jaula pedagógica, para que ninguém mais ouse tomar as ruas contra o sistema.

Santa não tem a blindagem que partidos de esquerda oferecem aos seus militantes. Não tem bancada para defendê-la, nem grande mídia simpática. Ela tem apenas sua história e agora tem seu nome manchado por uma sentença que diz mais sobre o momento político do país do que sobre seus atos.

Em tempos normais, o Estado pune o que representa ameaça à ordem. Em tempos anormais, o Estado pune o incômodo. Santa não ameaçou a República. Mas, ao protestar sem permissão, ousou incomodar. E por isso, agora, cumpre pena.

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